terça-feira, 3 de novembro de 2009

Sintaxe - aquisição de linguagem

(Este texto é cortesia de minha amiga Cida Caltabiano, que dá a mesma disciplina que eu na faculdade e compilou essas informações sobre as diferentes teorias de aquisição)


Principais teorias/abordagens da Aquisição da Linguagem[1]

1. O empirismo: A teoria behaviorista

Para a corrente behaviorista ou ambientalista (final da década de 1950), a aprendizagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e decorrente de mecanismos comportamentais como estímulo – resposta - reforço.
Para Skinner[2], aprender a língua materna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades e comportamentos, como andar de bicicleta, dançar, já que ao longo do tempo, haveria um acúmulo de comportamentos verbais.

Imagine a situação de uma criança que vê a mãe e quer sair do berço (estímulo). Ela começa a chorar (resposta). Caso a mãe a retire do berço, ela está reforçando positivamente o comportamento da criança, isto é, a criança aprende que para sair do berço deve chorar. Se, por outro lado a mãe não atender a criança (reforço negativo), esta aprenderá que não é chorando que vai conseguir sair de lá.

Para Skinner, o mesmo princípio é usado para o aprendizado da língua. Imagine que a criança vê a mamadeira (estímulo) e diz papá. Se ela conseguir com isso que lhe dêem a mamadeira, será reforçada positivamente, aprenderá que quando quiser comida deve dizer papá.

Ø É assim que aprendermos nossa língua materna? Em que situações linguísticas e/ou não-linguisticas a visão de Skinner poderia ser aceita?

2. O racionalismo: Noam Chomsky[3] e a hipótese do inatismo

Como produzimos frases que nunca foram proferidas?
Como entendemos frases cuja referência não se encontra no contexto em que são produzidas?
Como as crianças aprendem a falar tão rapidamente?

Para Chomsky e seguidores

-> Existe uma Gramática Universal, que é uma matriz biológica responsável pela grande semelhança entre as línguas e pela rapidez com que as crianças aprendem a falar.
-> O meio cumpriria o papel de acionar o dispositivo responsável pela aquisição da língua.
-> As crianças aprendem a falar rapidamente porque, na verdade, já nascem dotadas de um dispositivo inato de aquisição de linguagem.
-> A criança fica exposta a uma fala fragmentada, repleta de frases incompletas, mas é capaz de internalizar num tempo muito curto a gramática de uma língua devido a este dispositivo inato, que aciona o conhecimento lingüístico prévio geneticamente herdado.
Na idade certa, o dispositivo será acionado e ela começará a falar.
As crianças criam palavras, fazem analogias, falam frases inéditas ainda muito cedo.
Além disso, com 4 ou 5 anos já utilizam praticamente todas as estruturas gramaticais de sua língua.

Os gerativistas

Questionam a forma como as crianças adquirem os elementos lingüísticos.
Para eles, existem
o As categorias lexicais – que são os substantivos, os verbos, os adjetivos e as preposições;
o As categorias funcionais – que são os instrumentos gramaticais das línguas, como os artigos, os pronomes, as conjunções e os advérbios, além das categorias gramaticais de número, gênero, caso, pessoa, tempo, etc.

Hipóteses para explicar a aquisição desses elementos:

Hipótese maturacional da aquisição da linguagem.[4]
o Existem diferentes fases para a aquisição de linguagem e a passagem de uma fase para outra é determinada pela maturação do organismo.
o Existe uma ordem na configuração da GU que determina que as categorias lexicais surjam antes das categorias funcionais.
o Para Radford, todas as crianças passam pelas seguintes fases de aquisição de linguagem:

Fase pré-lingüística
0 a 12 meses
Gestos e balbucios
Fase de uma palavra
de 12 a 18 meses
Sentenças com apenas 1 palavra
Fase multivocabular inicial
(fase lexical ou temático-lexical)
de 18 a 24 meses
Desenvolvimento dos sistemas lexicais
Nesta fase surgem as flexões nominais e a fixação dos parâmetros de ordem das palavras.

Fase multivocabular tardia
(fase funcional)
de 24 a 30 meses
Presença dos sistemas funcionais.
Essa fase só é atingida quando a criança dominou totalmente os sistemas lexicais.

Ex. Fala de uma menina brasileira com menos de 2 anos

a) Neném ta mexendo mimédio de vovô.
b) Casa de poquinho.
c) Panta de vovó.
d) Coocá na cama.
e) Carro é minha.
f) Mamãe abe, mamãe. Abiu. Esse abe não, abe não?




3. O cognitivismo

O cognitivismo vincula a linguagem à cognição, i.e, a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são processos derivados do desenvolvimento do raciocínio na criança.

Piaget [5], assim como Vygotsky
· Não está interessado na aquisição da linguagem, mas na relação linguagem/pensamento.
· O sujeito constrói estruturas (conhecimento) com base na experiência com o mundo físico, ao interagir e ao reagir biologicamente a ele, no momento dessa interação.
· Não basta que a criança esteja apenas “exposta” à interação social, ela deve também estar “pronta”, no que se refere à maturação, desenvolver o(s) estágios necessário(s) para compreender o que a sociedade tem para lhe transmitir:

. sensório-motor, de 0 a 18/24 meses, que precede a linguagem;
. pré-operatório, de 1ano e meio-2 anos a 7-8 anos, fase das representações, dos símbolos;
. operatório-concreto, de 7-8 a 11-12 anos, estágio da construção da lógica;
. operatório-formal, de 11-12 anos em diante, fase em que a criança raciocina, deduz, etc.

-> Há pesquisas que apontam para a antecipação da entrada no pensamento operatório por crianças bilíngues.

A partir de uma perspectiva de Piaget, pode ser levantada a hipótese de que a exposição à língua e a culturas diferentes na 1ª infância beneficiaria o desenvolvimento da criança. Crianças bilíngües adquirem mais cedo a distinção entre significante e significado, uma vez que desde cedo têm a noção de que um objeto chama-se de determinada forma em uma língua, mas de outra forma em outra língua. Assim estariam sendo estimuladas a perceber a relatividade dos conceitos e a colocarem-se no lugar do outro para considerar qual língua é inteligível a ele

-> Para Piaget, são 2 as categorias de linguagem:
egocêntrica – as conversações das crianças são egocêntricas ou centralizadas (fala consigo mesma), não o objetivo de comunicar nem levam em consideração a presença de um interlocutor, quando é o caso, pois não há função social nelas.
e socializada – nessa fase a criança passa a interagir, por meio de perguntas, respostas, ameaças, etc.

-> Apesar de mencionar esse aspecto social, Piaget não levou em conta o papel do outro nesse processo de aquisição/desenvolvimento da linguagem infantil, pois para ele a maturação (estágios) acontece de forma individual.

4. (Socio)Interacionismo

Tal teoria baseia-se na interação verbal, no diálogo da criança com o adulto.
Nesse sentido, o desenvolvimento da linguagem e do pensamento tem origens sociais, externas, nas trocas comunicativas entre os dois interlocutores.

Para Vygotsky [6]
todo conhecimento se constrói socialmente, pela aprendizagem nas relações com os outros.
O adulto tem um papel fundamental no processo de aquisição da linguagem, funcionando enquanto regulador/medidor de todas as informações que as crianças recebem do meio.
Essas informações são sempre intermediadas pelos que as cercam, e uma vez recebidas, são reelaboradas num tipo de linguagem interna, individual.
É desse modo que a criança se desenvolve na interação com o outro e aprende com ele (adulto) aquilo que em breve ela será capaz de fazer sozinha.

A aquisição da habilidade depende da instrução dada pelo adulto no momento em que a criança se encontra na chamada Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), i.e, uma fase de transição entre aquilo que ela é capaz de fazer sozinha e o que ainda não é capaz de realizar por si só, mas pode fazê-lo com o auxilio de alguém mais experiente, como a mãe, o professor, outros adultos, colegas mais velhos, etc.

Para Vygotsky, a criança também deve passar por um processo de desenvolvimento das operações mentais e, para tanto, propõe fases.

Os primeiros sons do bebê são dissociados do pensamento; essa união só acontece por volta dos 2 anos, qdo a fala assume uma função simbólica e organizadora do pensamento. É nessa idade tb. que as estruturas construídas externamente pela criança são internalizadas em representações mentais. A fala, resultante da internalização da ação e do diálogo, servirá de suporte para que a criança comece a controlar o ambiente e o próprio comportamento.

Piaget e Vygotsky – insistiram no aspecto cognitivo como fator determinante para o desenvolvimento da linguagem da criança.
Diferença –
Para Piaget -> trata-se de um processo individual, i.e., a criança passaria sozinha pelo processo de internalização;
Para Vygotksy -> a fala (egocêntrica) da criança é essencialmente social, depende da reação das outras pessoas e tende a se internalizar.

Atividade: Sobre o filme O Enigma de Kaspar Hauser. Responda as perguntas abaixo:
O Enigma de Kaspar Hauser (1974) é uma das obras-primas do cineasta alemão Werner Herzog. O nome original do filme é: Jeder Für Sich Und Gott Gegen Alle
a) Que relações vc. pode fazer entre as discussões sobre aquisição da linguagem e o filme. Comente sobre o comportamento lingüístico e social de Kaspar.
b) Comente cenas em que se destaca o ensino da linguagem, de comportamentos e atitudes. Que ´teoria´ embasaria/ estaria subjacente a essas cenas escolhidas/(re)lembradas por você?

[1] Textos de referência: a) Santos, R. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Lingüística. I. Objetos teóricos. São Paulo: Editora Cortez, 2002.
b) Del Ré, Alessandra. A pesquisa em Aquisição da Linguagem: teoria e prática. In ____ (org.) Aquisição da linguagem: uma abordagem psicolingüística. São Paulo: Editora Contexto.
c) Martelotta, M. E. et alli. Aquisição de Linguagem. In: _____Manual de Lingüística. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
d) Scarpa, Ester M. Aquisição da Linguagem. In: Mussalin & Bentes. Introdução à Lingüística. Domínios e Fronteiras. Vol.2. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

[2] Burrhus Frederic Skinner (1904-1990, Pensilvânia, EUA). Graduou-se em Psicologia em 1930. Trabalhou na Universidade de Minesota e quando ingressou em Harvard influenciou toda uma geração de estudantes. Principal obra Comportamento Verbal, 1957.
[3] Avram Noam Chomsky (nascido na Filadélfia, EUA, em1928) é professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA .
[4] Radford 1993. Syntactic Theory and the Acquisition of English Syntax.
[5] Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 1896 e faleceu em Genebra em 1980.
[6] Lev Semionovitch Vygotsky (1896, Orsha-1934, Moscou) foi um psicólogo bielo-russo, descoberto nos meios acadêmicos ocidentais depois de sua morte, causada por tuberculose, aos 37 anos. (variações:Vigotski, Vygotski ou Vigotsky)